sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Alimentação: educar para viver melhor

O peso a mais e a obesidade combatem-se desde a mais tenra idade. É urgente educar as crianças para os sabores saudáveis.
Educar para viver

O Henrique tem 11 meses e já ninguém duvida da sua vontade de crescer: pesa 12 quilos, mede quase 80 centímetros e só cabe em roupas de 2 anos. É mais ou menos do mesmo tamanho que o primo, com mais um ano, e quem os vir sentados não acredita que a diferença de idades seja tão grande.
“O Henrique não foi sempre assim”, diz a mãe, Sofia Alves, professora. “Nasceu pequenino, com 2,100 kg. A tabela de percentil nem sequer considerava o peso dele. O ser tão pequeno chocou-me muito. Comecei a dar-lhe o biberão ao mínimo choro e ele cresceu a olhos vistos. Agora o pediatra fala em fazer dieta, mas custa-me dar-lhe menos comida. Racionalmente, percebo o que se passa, mas continuo a ter muito medo que volte a ficar pequenino.”
 
O Henrique pode ser mais um caso de estudo para a teoria da reprogramação, segundo a qual as hormonas do crescimento e o metabolismo sofrem alterações para se adaptarem ao meio numa fase precoce do desenvolvimento, como a vida in utero ou a infância, alterações essas que ficam inscritas no corpo para sempre. Segundo esta teoria, os recém-nascidos de baixo peso (menos de 2500 gramas) têm tendência a ser obesos, porque a falta de nutrientes disponíveis durante a gravidez leva a que o feto diminua as suas necessidades de alimento para se desenvolver (Sofia Alves conta que fez uma dieta rigorosa, não definida pelo médico, porque “não queria engordar” e acabou por quase não ganhar peso). Quando o bebé, que estava habituado a poupar energia e por isso nasce pequenino, é exposto a um ambiente externo de abundância, acaba por comer muito mais do que necessita e torna-se rapidamente um bebé obeso.
Há muitos mais fatores que levam à obesidade infantil: nascer com peso superior a 3,500 kg, andar sempre de carro, brincar só em casa, ver muita televisão e as condicionantes de herança genética. Mas estas parecem ser as variáveis, o denominador comum, sempre que se fala de excesso de peso, é a falta de qualidade da alimentação. Um exemplo absurdo serve para mostrar esta evidência: ninguém engorda, por mais sedentário que seja, se comer sempre e só alface. Em linguagem académica, podemos dizer que o excesso de peso começa quando a ingestão de calorias ultrapassa regularmente o consumo energético.
Certo é que há cada vez mais gordos entre nós e cada vez mais crianças com peso a mais. A obesidade infantil já é considerada uma epidemia mundial por afetar tantos milhões de crianças e a diretora-geral da Organização Mundial de Saúde, Margaret Chan, referiu-se a esta geração como “a primeira que vai viver mais doente e menos tempo do que os seus pais”.
Segundo vários estudos citados por Sandrina Gaspar Carvalho, no seu artigo Obesidade infantil, a epidemia do século XXI – revisão da literatura sobre estratégias de prevenção, 2009 –, a persistência da obesidade “no início da idade adulta poderá diminuir a esperança de vida de cinco a vinte anos”, em consequência de todas as doenças associadas ao peso excessivo, como a diabetes ou as doenças cardiovasculares. E o grave é que “60% das crianças obesas permanecem adultos obesos”.
É preciso atuar agora. Ensinar a comer. Em fevereiro de 2010, Jamie Oliver denunciou a situação da má nutrição das crianças americanas e inglesas, na conferência dos TED Awards (conjunto global de conferências onde pessoas destacáveis em várias áreas partilham as suas ideias e experiências), na Califórnia. O cozinheiro mais popular da Grã-Bretanha aponta como problemas graves a incapacidade de comer corretamente e a dificuldade em cozinhar de forma apropriada. Fala do conceito de “paisagem alimentar” para explicar que a herança que as últimas quatro gerações têm passado às suas crianças não inclui alimentação saudável nem ensinamentos de cozinha. A solução passa por todos, incluindo as grandes marcas alimentares: a educação alimentar tem de ser uma prioridade. E, na escola, há duas coisas a fazer: oferecer refeições equilibradas todos os dias e fazer com que os jovens terminem a escolaridade sabendo cozinhar “dez receitas que lhes vão salvar a vida”.
Alguns estudos recentes na área do comportamento alimentar parecem corroborar esta ideia de “paisagem alimentar” como uma influência decisiva nas escolhas alimentares das crianças. A pressão do meio ambiente é decisiva para a população em geral (e por isso Jamie Oliver fala das grandes cadeias alimentares) como as disponibilidades no frigorífico ou na despensa de casa são fundamentais para cada criança, cada pessoa.
O Journal of Nutrition Education and Behavior publicou já este ano os resultados de um estudo sobre a exposição das crianças a alimentos saudáveis, nomeadamente aos vegetais, que referem que as que estão habituadas a ver diariamente no prato legumes e saladas consomem-nos com mais facilidade do que aquelas que desconhecem ou têm pouco contacto com essa classe de alimentos.
Os chefes da cozinha de pesquisa vêm falando disto há anos, embora a preocupação esteja mais ligada às questões da memória gustativa do que às nutritivas. Mas quando andam à procura dos sabores de antigamente, demonstram um saber empírico sobre a importância da infância na fixação dos nossos gostos alimentares. Se desde pequenas as crianças forem habituadas a comer maus alimentos, a probabilidade de eles serem a parte fundamental da dieta de adulto é muito grande. Se lhes for sempre oferecida sopa, fruta, salada e pratos confecionados com rigor nutritivo vão ser esses os componentes da sua alimentação no futuro. Ao darmos uma dieta saudável aos nossos filhos, estamos a favorecer-lhes a saúde e a oferecer-lhes mais anos de vida.

O QUE DIZEM OS NÚMEROS
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O excesso de peso em larga escala começou a ser detetado há 30 anos.
. No mundo, há hoje 42 milhões de crianças com menos de 5 anos com peso a mais.
. 35 milhões dessas crianças gordas vivem em países em desenvolvimento.
. Portugal está entre os países europeus com maior número de crianças com excesso de peso.
. Mais de 30% das crianças entre os 7 e 9 anos tem excesso de peso ou é obesa, segundo um artigo do Serviço de Pediatria do Hospital do Espírito Santo, de Évora.
. Entre os 10 e os 18 anos, a percentagem é de 31%, de acordo com o livro da dietista Joana Sousa, Obesidade Infanto-juvenil em Portugal.


Saiba mais na Máxima.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Não somos filhos de deus

As respostas de um pai ateuOnde está Deus, papá? é um ensaio sobre a educação não-religiosa que se pode dar às crianças para que se tornem adultos tolerantes e bem-formados. Se ateus ou crentes, eles decidirão quando possam.


Clemente Gª Novella tem 42 anos e acaba de escrever e publicar um livro no mínimo raro. Onde está Deus, papá? – Asrespostas de um pai ateu está envolto em polémica em Espanha, país que, como o nosso, regista uma larga maioria da população como católica. Essa população não sendo praticante de todos os ritos de fé socorre-se dos preceitos religiosos para explicar conceitos como o bem, o mal ou a própria existência e isto acontece tanto na esfera pública como na privada. Mas será que é mesmo necessário pensar num deus para agir corretamente? Ou para percebermos por que razão estamos aqui? Estas são duas das questões que o livro ajuda a clarificar.

Quando escrevo a Clemente, numa sexta-feira depois do almoço, para fazer a entrevista, diz-me com simplicidade que há de responder-me mais tarde porque de momento está a ajudar os seus filhos com os trabalhos de casa. Os rapazes têm 9 e 10 anos e foram eles a inspiração para este livro. No prólogo que Clemente assina, explica que os seus meninos eram muito pequenos quando “me perguntaram pela primeira vez se Deus existia; uma dúvida que eu nunca tive em criança. (…) Claro que acreditava num deus.” É neste quadro de simplicidade, de empenho na educação dos filhos e de pôr em perspetiva os dois lados de cada questão que todo o livro de desenvolve e é, por isso mesmo, que ele é raro: por não ser pretensioso, nem esperar que o leitor já tenha feito todas as leituras ou pensado nestas questões muito a sério. Também é raro e original porque não tenta impingir uma perspetiva radical do mundo a quem o lê. É só o discurso de um homem a sistematizar as suas ideias e o caminho que o levou ao ateísmo.

“É um processo gradual,” diz-me o autor. “Primeiro vamo-nos dando conta, facilmente, de que os deuses de outras épocas ou de outros lugares são simples mitos, são lendas. Depois, sem refletir muito, vamo-nos apercebendo que o deus na nossa infância também é um ser mitológico.” Os sete primeiros capítulos do Onde está Deus papá? ocupam-se da demonstração que a invenção dos deuses serviu um propósito de explicação do mundo quando a ciência ainda nem germinava, tal como se faz num curso breve de filosofia. Mas se é tão evidente, não seria de esperar que mais pessoas se tornassem ateias? “Creio que no fundo foi essa dúvida que me motivou a escrever o livro. Perguntava a mim próprio: É tão evidente para mim que os deuses são fruto da imaginação humana… Como pode ser que uma espantosa maioria de pessoas em todo o mundo continue a acreditar neles?”

A partir desta questão, das colocadas pelos filhos e das que antecipa que venham no futuro a ser feitas, Clemente, enquadra os valores morais como uma necessidade de convivência em sociedade. No fundo basta pensar em duas regras básicas para conseguir agir corretamente: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti e fazer aos outros apenas aquilo que eles te tenham dito que desejam. A vantagem destes princípios, lê-se no livro, é que as crianças os entendem e podem facilmente praticar.

Como esta resposta, todas as demais são simples. São ao todo 24 e são formuladas para ajudar quem quer criar os seus filhos sem o auxílio da religião, seja ela qual for. No entanto, o livro nunca predica contra as crenças dos outros. Afirma antes a possibilidade de educar segundo parâmetros exclusivamente humanos e prevê até a eventualidade das crianças criadas num ambiente sem deus se tornarem religiosas, afirmação verdadeiramente estranha para um ateu. Clemente Gª Novella é, mais do que tudo, antidogma: “Se os meus filhos vão ser ateus toda a vida? Suponho que sim. O normal é que os meus filhos sejam ateus. Mas se um dia sentirem necessidade de recorrer ao consolo metafísico que oferecem as religiões (…) se isso os fizer mais felizes, eu não terei nenhuma objeção.”

Onde está Deus, papá?
Clemente G. Novella

Preço: 14,50 €
Editora Verso de Kapa

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Educar sem Deus


Está nas bancas a revista Máxima de Janeiro, com um artigo sobre as possibilidades de educar uma criança em Portugal, sem recorrer a conceitos religiosos. Não são muitas, é certo, já que a nossa mentalidade colectiva tem muita tradição católica, mas não deixa de ser surpreendente que alguns dos pais entrevistados que se afirmam como crentes optem por educar os seus filhos com exemplos de bom senso e não com dogmas religiosos.
Este artigo parte de uma leitura do livro Onde está Deus Papá, editado em português pela Verso de Kapa, e da entrevista ao seu autor, Clemente Gª Novella, que reproduzo no próximo texto.