sexta-feira, 1 de março de 2013

Os meus dois ou três maridos

O meu primeiro ex-marido trabalhava pouco, ganhava muito menos do que eu, ainda assim tinha uma vida tranquila. A conta no banco era comum e ele podia gastar o que quisesse. Eu ganhava bem e podia pagar-lhe os luxos. Não me importava. Gostava de o ver bem vestido, com belas camisas e sapatos estrangeiros, a falar muito mais do que eu com os meus amigos alemães, espanhóis, ingleses e franceses, mesmo se o nível de inglês não lhe permitisse ter conversas elaboradas (das outras línguas nem vos conto) a sua expressividade era notável. Ficava sempre bem.
Comecei a cansar-me do meu primeiro ex-marido ao mesmo tempo que comecei a ganhar menos bem. Ele exigia-me o mesmo tipo de vida luxuosa e eu, sem lha poder dar, comecei a pensar se não estaria na altura de lhe cortar alguns privilégios. Ele dizia-me que não, que tinha um estilo de vida a manter, mas que eu podia deixar algumas das coisas que eu pagava com o meu dinheiro: primeiro as roupas de marca e os jantares em restaurantes, depois as jantaradas em casa com os amigos, depois o carro, depois a casa… Ou então que fizesse um crédito.
Foi quando troquei a casa que alugava por uma menor, que troquei de marido. Já não gostava do primeiro há algum tempo e lembro-me perfeitamente de ver o meu segundo a avançar pela multidão e destacar-se muito. Era tão diferente do primeiro: era alto como um príncipe, loiro, falava muito bem inglês, não se mostrava vaidoso, usava óculos para ler. Mas era como falava português que me encantava: dizia umas coisas de arrepiar sobre a justiça e a igualdade e o viver com menos. Era um asceta. Fomos logo viver juntos. Não vale a pena esperar quando se reconhece o amor da vida, verdade?
Os primeiros tempos foram maravilhosos. Muita partilha de sacrifícios, muito conforto quando eu chegava a casa depois de horas de cansaço, muito boa conversa. Aos poucos comecei a reparar que era sempre eu quem chegava a casa mais tarde, aos poucos comecei a notar que ele nunca estava cansado, que ele não colocava dinheiro nenhum na conta partilhada, mas que cada vez eu tinha menos dinheiro para as minhas coisas. Ele dava-me bons conselhos e dizia-me para andar a pé e comer de marmita no trabalho. Dizia-me para não comprar roupa, nem sequer na feira do relógio. Ele engordava e estava cada vez mais bonito. Continuava um príncipe, cada vez com um ar mais sério, quase, quase a tornar-se um rei.
Quando a minha conta chegou quase aos zeros quis pô-lo fora de casa mas era tarde demais. Estava tão bem instalado, era tão amigo dos vizinhos, que quem teve de sair fui eu. Ando agora à procura de casa e sem rendimentos razoáveis que possa apresentar para um contrato de aluguer, viverei num quarto de uma pensão enquanto tiver dinheiro. Dizem-me que o meu segundo ex-marido vive bem, na casa que foi minha, à custa dos vizinhos e que faz jantares animados aos quais vai também o meu primeiro marido. Disseram-me que se divertem muito e que falam de mim.
Eu, como não sei viver sem marido, ando à procura do terceiro. Só espero ter sorte e encontrar um muito bonzinho, que não me engane, nem me roube… e que seja bonito.

Maria da República Portuguesa Santos Oliveira Silva