A minha licenciatura era vocacionada para o ensino - ensino de
português língua materna com sua gramática e literatura para as criancinhas e
adultos que frequentassem o ensino secundário em Portugal ou em português no
estrangeiro. Era a saída mais evidente ou a entrada no mercado de trabalho mais
direta do curso de Línguas e Literaturas Modernas, variante estudos
portugueses.
No meu ano havia 4 bons alunos, daqueles que se destacavam
mesmo pelas notas muito boas, pela noção de encantamento que nos devia causar
a leitura de um poema e pela capacidade de pensar e relacionar as matérias do
programa curricular com as demais matérias da vida.
Desses 4 alunos que se destacavam pela positiva num curso
vocacionado para o ensino, hoje nenhum é professor do ensino secundário em
Portugal. A Cláudia deixou os estudos literários a meio do curso para se
dedicar ao Conservatório de Teatro e hoje escreve e dirige peças de teatro
acutilantes e reconhecidas pela crítica. O Diogo seguiu para o Conservatório
depois da licenciatura e do convite para integrar o mestrado em Linguística e,
a última vez que o vi, era ator. O Pedro mestrou em literatura portuguesa,
constituiu uma escola de artes e escreveu já vários livros, o último
recentemente publicado, Despaís, é um
livro do caraças, isto é, um livro que todos os portugueses e todos os cidadão de países em crise deviam ler.
Quanto a mim, escolhi não ser professora por duas razões:
teria de estudar mais dois anos até poder exercer a profissão (um ano para
pedagógicas com exigência de presença diária, coisa impossível para mim que já
trabalhava, e um ano de estágio numa escola) e teria para sempre um mau patrão
(lembro-me de ter dito isto tal e qual). Era o ano da graça de 2001.
Desde há 12 anos, eu tive dois contratos de trabalho sem
termo, 2 anos de contrato com termo certo, com dois anos de desemprego
interpolados por recibos verdes. Fui enganada algumas vezes, tive de andar a
choramingar para conseguir cobrar muitas mais e a fazer trabalhos muito
diferentes do que a minha ocupação principal faz prever. Tive meses em que não
ganhei um tostão e outros em que ganhei tão mal que não chegou para as
despesas.
Nunca me arrependi da decisão de não ser professora. Porque
se fosse, tinha andado pelo país de mala às costas, ganhando uma ínfima parte
do dinheiro que já ganhei até hoje, reduzida para sempre ao estatuto de aluno Erasmus
cá dentro, dividindo casas com gente estranha, incapaz de construir uma família,
ou vendo os filhos crescer aos fins-de-semana, continuando a ler apenas no
comboio de regresso a casa, levando pancada da primeira mãe cujo filho eu
repreendesse, sendo gozada por profissionais medianos de outras profissões que
me diriam: ‘és professora porque não arranjaste mais nada para fazer?’ e não
conseguindo nem uma vez uma contratação por mais do que um ano, não por fim da
necessidade do meu trabalho, mas porque é assim o sistema, sendo alvo da
chacota dos alunos que eu sentisse a necessidade de chumbar porque as passagens
administrativas de multiplicaram ao extremo.
Eu acho estranho que um país não queira aproveitar para o
ensino da sua língua materna, da sua cultura, os seus melhores alunos. Como nós
os 4 deve haver mais mil que desistem de ensinar no liceu por motivos alheios à
docência. Mas pelos vistos sou só eu que acha estúpidas a vida dos professores,
as obrigações destes e a sua relação com a entidade patronal. Para o Ministério
da Educação tudo vai bem e não é de agora.