O Ministério do Trabalho e Segurança Social anunciou com pompa as "Novas medidas de apoio à natalidade". A medida mais inovadora é o Abono de Família Pré-Natal, que se descreve num documento do MTSS da seguinte forma:
Montante de Abono de Família Pré-Natal
O Abono de Família passa a ser atribuído após o 3º mês de gravidez da mãe, o que corresponde a mais 6 meses de pagamento da prestação. No primeiro escalão passará a receber um montante total de € 2.351,16, - mais € 783,72 que actualmente.
Com base em dados actuais (beneficiários de Abono de Família) esta medida abrangerá 90.000 famílias.
26.000 famílias obterão um apoio adicional prévio ao nascimento da criança de € 108,85 por mês – 2º Escalão
32.000 famílias obterão um apoio adicional prévio ao nascimento da criança de €130,62 por mês – 1º Escalão
Ponderando pela distribuição dos titulares pelo respectivo escalão de rendimentos cada família receberá em média €96 mensais.
(http://www.governo.gov.pt/NR/rdonlyres/C455AAC1-B275-4BE9-9E44-CB501D3967A4/0/Apoio_Natalidade.pdf)
Este subsídio passará a ser atribuído a partir de Setembro, tendo sido já aprovado em Conselho de Ministros.
Fiquei muito contente com esta medida, que ainda me antige a carteira durante 4 ou 5 meses. Mas depois comecei a pensar em quem é que ganha mais com esta proposta. São as as mães? São os filhos? É o Estado?
Passo a explicar: recorrendo ao atendimento no Sistema Nacional de Saúde e às entidades privadas com acordos com o SNS, as grávidas não aumentam significativamente os custos no seu orçamento mensal. As consultas são gratuitas, exames como análises e ecografias não são pagos e os medicamentos são comparticipados à taxa máxima. Então, com mais 100 euros por mês eu vou poder juntar para o carrinho e a cadeirinha do bebé, a roupa, a cama, os biberões, as fraldas, as tintas e os papéis de parede... Bom, se calhar 600 euros não chegam para tudo isto. Esta é uma forma de ver a questão - e boa.
Outra forma de encarar estes 20 continhos é utilizá-los para no seguimento da gravidez no privado. As consultas são marcadas mais ou menos de mês a mês, o que pode configurar um bom motivo de investimento. Até porque o valor de uma ida ao obstetra ronda o valor do subsídio mensal e já inclui, muitas vezes as ecografias. Mesmo que o seguimento seja no SNS, uma grávida pode sempre optar por fazer os exames no privado já que, mesmo nos consultórios com acordos com o Estado, marcam-se as ecografias (por exemplo) com menos antecedência se uma pessoa estiver disposta a pagar (ver, por exemplo, a Clínica de Chelas). São só boas notícias! Só não são boas se se acreditar que um governo socialista devia estimular a utilização do SNS... e não ajudar as grávidas a fugirem do SNS.
Há ainda outra questão que deve ser lembrada: a atribuição deste subsídio é feita por escalões de rendimento. E, apesar desta diferenciação parecer justa (e o subsídio muito abrangente, já que só quando se atinge os 2000 euros per capita é que se deixa de ter direito ao mesmo) penso que esta é mais uma forma de estimular a subsídio-dependência das classes baixas. Se eu estiver em casa desempregada e já com um rendimento mínimo (perdão, de reinserção social) este abono de família pré-natal cai que nem ginjas. Os 130 euros a que passo a ter direito por estar grávida são um incremento significativo no meu orçamento familiar. É que este valor vai chegar para pagar a renda da minha habitação social (e ainda sobra). Com mais filhos vou ter direito a uma casa maior e continuo com a renda controlada. E quando puder tenho mais filhos = mais dinheiro = casa maior...
A classe média, que trabalha, que paga impostos, num instante chega ao escalão máximo. Não aos 2000 euros por pessoa (quem me dera...) mas aos 1000 euros mensais. E com 1000 per capita, tem direito a cerca de 90 euros. E 90 euros dão para quê? Se eu estiver empregada recebo os tais 1000 euros, e já vou com sorte. Pago uma renda ou uma prestação mensal ao banco que se aproxima dos 600 euros (e isto é por defeito), pago o passe dos transportes públicos ( o da carris, por exemplo, custa 26,65 euros), pago os inevitáveis almoços em restaurantes de quinta categoria porque a maioria das empresas não tem cantina nem condições para aquecer a comida que se leva no tupperware...
Portanto, debaixo dos 20 continhos que vou passar a receber a partir de Setembro (vamos lá ver) está uma medida populista com dois objectivos: 1 - dessocializar o Estado e em particular a assistência na saúde, incentivando o recurso aos médicos dos sistemas privados; 2 - incentivar as classes baixas e desinformadas a procriarem (desculpem o termo) e a aumentarem o número de indigentes e subsídio-dependentes e consequentemente de adultos com pouca formação. Para a classe média que trabalha e sustenta o Estado, resta uma ajudinha para ter meio filho por casal (assim dizem as estatísticas)...
O abono família pré-natal é um incentivo ao aumento da natalidade? Não me parece. Mais do que o dinheirinho na gravidez, eu sentir-me-ía incentivada a ter mais filhos, se os apoios pós-parto fossem outros: berçários a preços acessíveis, creches a preços acessíveis, pediatras a preços acessíveis, escolas a preços acessíveis, livros escolares a preços acessíveis e, já agora, que a qualidade dos mesmos não fosse duvidosa.
E sim, é claro que eu vou pedir os meus 20 continhos. Como é que eu os vou usar? Vou mudar as janelas da marquise para o meu filho não ter frio e vou pagá-las a prestações. É que o miúdo nasce em Dezembro.
quarta-feira, 8 de agosto de 2007
Afinal dá para:
quarta-feira, 1 de agosto de 2007
Da necessária imobilidade das grávidas ou receita para exames nos Açores
Uma grávida não viaja. Toda a gente sabe. Quando uma mulher engravida é evidente que não se pode deslocar - nem em trabalho, nem de férias, nem por uma urgência imprevista. Embora esta ideia não tenha razões médicas efectivas, o próprio Sistema Nacional de Saúde não permite que se pense de outra forma.
Às 16 semanas de gravidez encontro-me nos Açores. Estou na Ilha Terceira para duas semanas de muita tranquilidade (aqui descansa-se mesmo). As férias estavam marcadas e com passagem de avião comprada, havia muito tempo... muito mais do que o tempo de gravidez. Como era impossível alterar as datas, resolvemos vir na mesma, achando que seria possível fazer a segunda colheita de sangue para o rastreio bioquímico. Realmente foi, graças à Dra. Antonieta Bento da Maternidade do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, e ao Dr. Fernando Teixeira do Hospital do Santo Espírito, em Angra do Heroísmo. Como a mim me levou cinco dias até concluir o processo, descrevo o passo a passo dos essenciais para resolver uma situação como esta:
1ª arranjar uma credencial para os Açores. Convém conhecer alguém com contactos (obrigada Sílvia!) e se não tente nas urgências do hospital;
2º recusar sempre fazer ecografias e outros exames no privado, porque os dados do primeiro exame são suficientes (com excepção do peso);
3ºcontar com a boa vontade do corpo médico açoriano para recolher o sangue, sintetizar o soro e emprestar o contentor que transportará a amostra congelada;
4ºcontactar a DHL para fazer o transporte, já que consegue normalmente fazer a entrega no dia seguinte à entrega, ao contrário dos CTT e de outros transitários .
Correu bem, apesar de tudo. Dos pormenores sórdidos retenho que, com excepção do Dr. Fernando Teixeira e da directora do laboratório, a maioria dos intervenientes açorianos neste processo não sabia o que era o rastreio bioquímico, incluíndo a enfermeira obstetra que me encaminhou para o médico que refiro...
Parece-me importante também ressaltar que esta operação que parece simples foi concretizada apenas porque houve boa vontade. Não há protocolos a seguir entre o Ministério da Saúde português e a Secretaria Regional de Saúde, quando se trata de procedimentos excepcionais, fazendo que quem é de "lá fora", como se diz aqui, se sinta estrangeiro e sem direitos. Mesmo quando não se fala de processos complicados, o simples facto do médico assistente ser externo à região autónoma traz complicações. Aqui, os diplomas dos profissionais de saúde continentais e as credenciais passadas por estes não são válidas. Tudo tem que ser feito segundo normas internas. Parece que, sendo residente em Portugal continental, é mais fácil ter filhos em Badajoz do que nos Açores.
Subscrever:
Mensagens (Atom)