O Henrique tem 11 meses e já ninguém duvida da sua vontade de crescer: pesa 12 quilos, mede quase 80 centímetros e só cabe em roupas de 2 anos. É mais ou menos do mesmo tamanho que o primo, com mais um ano, e quem os vir sentados não acredita que a diferença de idades seja tão grande.
“O Henrique não foi sempre assim”, diz a mãe, Sofia Alves, professora. “Nasceu pequenino, com 2,100 kg. A tabela de percentil nem sequer considerava o peso dele. O ser tão pequeno chocou-me muito. Comecei a dar-lhe o biberão ao mínimo choro e ele cresceu a olhos vistos. Agora o pediatra fala em fazer dieta, mas custa-me dar-lhe menos comida. Racionalmente, percebo o que se passa, mas continuo a ter muito medo que volte a ficar pequenino.”O Henrique pode ser mais um caso de estudo para a teoria da reprogramação, segundo a qual as hormonas do crescimento e o metabolismo sofrem alterações para se adaptarem ao meio numa fase precoce do desenvolvimento, como a vida in utero ou a infância, alterações essas que ficam inscritas no corpo para sempre. Segundo esta teoria, os recém-nascidos de baixo peso (menos de 2500 gramas) têm tendência a ser obesos, porque a falta de nutrientes disponíveis durante a gravidez leva a que o feto diminua as suas necessidades de alimento para se desenvolver (Sofia Alves conta que fez uma dieta rigorosa, não definida pelo médico, porque “não queria engordar” e acabou por quase não ganhar peso). Quando o bebé, que estava habituado a poupar energia e por isso nasce pequenino, é exposto a um ambiente externo de abundância, acaba por comer muito mais do que necessita e torna-se rapidamente um bebé obeso.
Há muitos mais fatores que levam à obesidade infantil: nascer com peso superior a 3,500 kg, andar sempre de carro, brincar só em casa, ver muita televisão e as condicionantes de herança genética. Mas estas parecem ser as variáveis, o denominador comum, sempre que se fala de excesso de peso, é a falta de qualidade da alimentação. Um exemplo absurdo serve para mostrar esta evidência: ninguém engorda, por mais sedentário que seja, se comer sempre e só alface. Em linguagem académica, podemos dizer que o excesso de peso começa quando a ingestão de calorias ultrapassa regularmente o consumo energético.
Certo é que há cada vez mais gordos entre nós e cada vez mais crianças com peso a mais. A obesidade infantil já é considerada uma epidemia mundial por afetar tantos milhões de crianças e a diretora-geral da Organização Mundial de Saúde, Margaret Chan, referiu-se a esta geração como “a primeira que vai viver mais doente e menos tempo do que os seus pais”.
Segundo vários estudos citados por Sandrina Gaspar Carvalho, no seu artigo Obesidade infantil, a epidemia do século XXI – revisão da literatura sobre estratégias de prevenção, 2009 –, a persistência da obesidade “no início da idade adulta poderá diminuir a esperança de vida de cinco a vinte anos”, em consequência de todas as doenças associadas ao peso excessivo, como a diabetes ou as doenças cardiovasculares. E o grave é que “60% das crianças obesas permanecem adultos obesos”.
É preciso atuar agora. Ensinar a comer. Em fevereiro de 2010, Jamie Oliver denunciou a situação da má nutrição das crianças americanas e inglesas, na conferência dos TED Awards (conjunto global de conferências onde pessoas destacáveis em várias áreas partilham as suas ideias e experiências), na Califórnia. O cozinheiro mais popular da Grã-Bretanha aponta como problemas graves a incapacidade de comer corretamente e a dificuldade em cozinhar de forma apropriada. Fala do conceito de “paisagem alimentar” para explicar que a herança que as últimas quatro gerações têm passado às suas crianças não inclui alimentação saudável nem ensinamentos de cozinha. A solução passa por todos, incluindo as grandes marcas alimentares: a educação alimentar tem de ser uma prioridade. E, na escola, há duas coisas a fazer: oferecer refeições equilibradas todos os dias e fazer com que os jovens terminem a escolaridade sabendo cozinhar “dez receitas que lhes vão salvar a vida”.
Alguns estudos recentes na área do comportamento alimentar parecem corroborar esta ideia de “paisagem alimentar” como uma influência decisiva nas escolhas alimentares das crianças. A pressão do meio ambiente é decisiva para a população em geral (e por isso Jamie Oliver fala das grandes cadeias alimentares) como as disponibilidades no frigorífico ou na despensa de casa são fundamentais para cada criança, cada pessoa.
O Journal of Nutrition Education and Behavior publicou já este ano os resultados de um estudo sobre a exposição das crianças a alimentos saudáveis, nomeadamente aos vegetais, que referem que as que estão habituadas a ver diariamente no prato legumes e saladas consomem-nos com mais facilidade do que aquelas que desconhecem ou têm pouco contacto com essa classe de alimentos.
Os chefes da cozinha de pesquisa vêm falando disto há anos, embora a preocupação esteja mais ligada às questões da memória gustativa do que às nutritivas. Mas quando andam à procura dos sabores de antigamente, demonstram um saber empírico sobre a importância da infância na fixação dos nossos gostos alimentares. Se desde pequenas as crianças forem habituadas a comer maus alimentos, a probabilidade de eles serem a parte fundamental da dieta de adulto é muito grande. Se lhes for sempre oferecida sopa, fruta, salada e pratos confecionados com rigor nutritivo vão ser esses os componentes da sua alimentação no futuro. Ao darmos uma dieta saudável aos nossos filhos, estamos a favorecer-lhes a saúde e a oferecer-lhes mais anos de vida.
O QUE DIZEM OS NÚMEROS
. O excesso de peso em larga escala começou a ser detetado há 30 anos.
. No mundo, há hoje 42 milhões de crianças com menos de 5 anos com peso a mais.
. 35 milhões dessas crianças gordas vivem em países em desenvolvimento.
. Portugal está entre os países europeus com maior número de crianças com excesso de peso.
. Mais de 30% das crianças entre os 7 e 9 anos tem excesso de peso ou é obesa, segundo um artigo do Serviço de Pediatria do Hospital do Espírito Santo, de Évora.
. Entre os 10 e os 18 anos, a percentagem é de 31%, de acordo com o livro da dietista Joana Sousa, Obesidade Infanto-juvenil em Portugal.
Saiba mais na Máxima.
Sem comentários:
Enviar um comentário