Clemente Gª Novella tem 42 anos e acaba de escrever e publicar um livro no
mínimo raro. Onde está Deus, papá? – Asrespostas de um pai ateu está envolto em polémica em Espanha, país que,
como o nosso, regista uma larga maioria da população como católica. Essa
população não sendo praticante de todos os ritos de fé socorre-se dos preceitos
religiosos para explicar conceitos como o bem, o mal ou a própria existência e
isto acontece tanto na esfera pública como na privada. Mas será que é mesmo
necessário pensar num deus para agir corretamente? Ou para percebermos por que razão
estamos aqui? Estas são duas das questões que o livro ajuda a clarificar.
Quando escrevo a Clemente, numa sexta-feira depois do almoço, para fazer a
entrevista, diz-me com simplicidade que há de responder-me mais tarde porque de
momento está a ajudar os seus filhos com os trabalhos de casa. Os rapazes têm 9
e 10 anos e foram eles a inspiração para este livro. No prólogo que Clemente
assina, explica que os seus meninos eram muito pequenos quando “me perguntaram
pela primeira vez se Deus existia; uma dúvida que eu nunca tive em criança. (…)
Claro que acreditava num deus.” É neste quadro de simplicidade, de empenho na
educação dos filhos e de pôr em perspetiva os dois lados de cada questão que
todo o livro de desenvolve e é, por isso mesmo, que ele é raro: por não ser
pretensioso, nem esperar que o leitor já tenha feito todas as leituras ou pensado
nestas questões muito a sério. Também é raro e original porque não tenta
impingir uma perspetiva radical do mundo a quem o lê. É só o discurso de um
homem a sistematizar as suas ideias e o caminho que o levou ao ateísmo.
“É um processo gradual,” diz-me o autor. “Primeiro vamo-nos dando conta,
facilmente, de que os deuses de outras épocas ou de outros lugares são simples
mitos, são lendas. Depois, sem refletir muito, vamo-nos apercebendo que o deus
na nossa infância também é um ser mitológico.” Os sete primeiros capítulos do Onde está Deus papá? ocupam-se da
demonstração que a invenção dos deuses serviu um propósito de explicação do
mundo quando a ciência ainda nem germinava, tal como se faz num curso breve de filosofia.
Mas se é tão evidente, não seria de esperar que mais pessoas se tornassem
ateias? “Creio que no fundo foi essa dúvida que me motivou a escrever o livro.
Perguntava a mim próprio: É tão evidente para mim que os deuses são fruto da
imaginação humana… Como pode ser que uma espantosa maioria de pessoas em todo o
mundo continue a acreditar neles?”
A partir desta questão, das colocadas pelos filhos e das que antecipa que
venham no futuro a ser feitas, Clemente, enquadra os valores morais como uma
necessidade de convivência em sociedade. No fundo basta pensar em duas regras
básicas para conseguir agir corretamente: não faças aos outros o que não queres que te
façam a ti e fazer aos outros apenas
aquilo que eles te tenham dito que desejam. A vantagem destes
princípios, lê-se no livro, é que as crianças os entendem e podem facilmente
praticar.
Como esta resposta, todas as demais são simples. São ao todo 24 e são
formuladas para ajudar quem quer criar os seus filhos sem o auxílio da
religião, seja ela qual for. No entanto, o livro nunca predica contra as
crenças dos outros. Afirma antes a possibilidade de educar segundo parâmetros
exclusivamente humanos e prevê até a eventualidade das crianças criadas num
ambiente sem deus se tornarem religiosas, afirmação verdadeiramente estranha
para um ateu. Clemente Gª Novella é, mais do que tudo, antidogma: “Se os meus
filhos vão ser ateus toda a vida? Suponho que sim. O normal é que os meus
filhos sejam ateus. Mas se um dia sentirem necessidade de recorrer ao consolo metafísico
que oferecem as religiões (…) se isso os fizer mais felizes, eu não terei
nenhuma objeção.”
Onde está Deus, papá?
Clemente G. Novella
Preço: 14,50 €
Editora Verso de Kapa
Onde está Deus, papá?
Clemente G. Novella
Preço: 14,50 €
Sem comentários:
Enviar um comentário