No meu mundo ideal nada disto existe porque todas as
crianças que vivem são amadas, estimadas e cuidadas pelos pais. No meu mundo
ideal, nem há crianças órfãs porque quando os pais morrem, aqueles que têm
mesmo de morrer, há tios, primos e amigos que cuidam dos filhos que sobrevivem
como se fossem seus filhos.
O problema é que o meu mundo ideal não existe. No meu mundo real,
nestes últimos dias até aqui na sala ao lado, há mulheres que levam pancada do
marido que bate também nos filhos, há miúdos que saltam de casa em casa entre a
mãe que os abandonou, o pai que os maltratou e a família de acolhimento mal
escolhida que não os deixa ir à escola. No meu mundo há famílias separadas pela
pobreza, há crianças abandonadas em lares porque têm deficiências.
No meu mundo, há uns 15 anos atrás, vi chegar a um lar de
crianças em risco uma menina de 10 meses com uma cabeça do dobro do tamanho
normal, dos maus tratos que tinha recebido pela família biológica. Vi a cabeça
a diminuir até ao tamanho normal. Vi-a chorar cada vez que saía de um colo. E foi
assim até ao dia em que se iniciou o processo de adoção. Quando uma mulher solteira
começou a visitá-la, a levá-la a passear, a dar-lhe colo só a ela, a levá-la
para casa, vimos a Catarina pequenina a crescer, a melhorar dos problemas
gástricos, a começar a sorrir e a ficar sozinha no chão bem-disposta. Estava a
decorrer à frente dos meus olhos a transformação que o amor exclusivo significa
na vida das crianças: melhoria da saúde, melhoria do desenvolvimento, melhoria enorme
da felicidade.
Eu não sei o que fazia a mãe da Catarina na sua vida sexual.
Nem me interessa. Tenho a certeza do que vou dizer, tanto que não me importo de
ser dogmática: para a criança não faz uma diferença profunda se um pai, uma
mãe, dois pais ou duas mães são homossexuais ou heterossexuais. O que faz
diferença é se há um amor individual e bom para cada criança. A sociedade e as
criancinhas da escola até podem gozar com a história e a família de cada um.
Não faz diferença se no final do dia cada criança tiver quem a abrace e lhe dê
beijinhos, se tiver quem a queira, quem lhe dê segurança. É só isto que tem de
contar nos processos adoção. Hoje demos um belo passo neste sentido. Viva a
Assembleia da República! Espero que mais passos sejam dados em breve!