1.
Há uma aluna a quem parece profundamente injusto
não fazer o exame hoje, porque “há outros que estão a fazer.” Foi dito assim
tal e qual, ao microfone da TSF. O problema da estudante não é ter-se preparado
para um exame que não foi fazer, nem não ter dormido nada com os nervos da
véspera de um exame tão importante agora adiado, não é prever o prolongamento
dos prazos dos processos de entrada na faculdade e com isso ter que delongar decisões
sobre o projecto de vida, nem sequer ter de alterar a data das férias. O
problema está nos outros serem, na visão da rapariga, privilegiados. Se ela
estivesse entre o “décimo” dos colegas que estava a fazer o exame mostrar-se-ia
tão indignada?
2.
Os alunos de Braga revoltam-se contra os pares
que, apesar da greve, conseguem fazer o exame, entrando nas salas onde decorre
a prova porque se sentem injustiçados, segundo o relato da jornalista, tentando
assim que a prova dos outros seja anulada. A sindicalista de Braga diz que os
alunos invasores mostraram estar solidários com os professores em defesa da
escola pública. Volto a fazer a mesma pergunta de outra maneira: então e os que
estavam sentaditos a fazer o exame foram escolhidos entre os que não se
identificam com a luta dos professores?
3.
O presidente da Confederação das Associações de
Pais, Jorge Ascensão, explicou à TSF que a preocupação da Confap “centra-se nos
jovens” e acrescentou “estamos dependentes do sentido de dever que os
professores possam ter, o que, dado o número de docentes em causa, será difícil
garantir que haja exames para todos os jovens». Sim, eu sei, está esquisito. Coisas
da oralidade…
As declarações dos mais diversos quadrantes repetem-se e eu oiço em todas,
como o gato branco e felpudo do anúncio da Whiskas, “blablabla, o meu umbigo.
Blablabla, o meu umbigo. Blablabla, o meu umbigo.” Não há, nunca há, a vontade
de pensar no outro a não ser como causa dos meus problemas. O outro nunca tem a
possiblidade sequer de ter sorte, legitimidade ou razão. Sorte em ter sido
chamado para fazer o exame (como no ponto 1), legitimidade para estar a fazer o
exame dentro da sala, (como no ponto 2) ou razão para fazer greve (como no
ponto 3). O outro, e de preferência o outro mais próximo de mim possível, é o
culpado pela minha situação.
E se eu estivesse no lugar do outro, fazia exatamente o que ele faz: não
querer saber de mim para nada, nem dos meus problemas. Fazia o exame, fazia a
greve, protestava contra o exame, declarava-me contra a greve. Ou seja, a minha
opinião depende exclusivamente da minha posição em relação aos outros. Se eu
tiver o privilégio casual de fazer exame estou calada. Se eu ficar de fora dos chamados
ao exame, então zango-me e grito e canto o Grândola… contra os meus iguais. Esta
coisa da posição relativa face aos eventos determinar inteiramente as minhas
ideias é tão criticada aos políticos e, afinal, o que fazem as pessoas comuns?
Exatamente o mesmo e não é de agora, que o Gaibéus já conta esta história.
Enfim, não somos todos assim. Um
participante no fórum da TSF lembra que "no Japão, o único grupo que não
tem de se vergar perante o Imperador é o dos professores." É uma mensagem
enorme que se envia às massas quando a figura maior de um país considera que
aqueles que ensinam são os únicos que se lhe equiparam em valor. Um professor é
igual a um imperador, diz o protocolo. Aqui, em Portugal, um professor não vale
nada e é por isso que lhe batemos, cuspimos, não obedecemos, viramos as costas,
etc.
Já sei, vêm aí os exemplos dos maus
professores que tiveram, que não sabiam do que estavam a falar, que não se
davam ao respeito, que não se davam ao trabalho de ensinar. Vá, vão contar as
vossas histórias tenebrosas ali nos comentários, daquelas que mostram que os
professores não merecem respeito nenhum.
Agora roubo de uma conversa de facebook
uns comentários sobre os professores no Japão:
JPG: Mas o ensino no Japão é mesmo muito bom... e não
há greves.
Carla Macedo: Vai na volta é bom porque o Estado japonês
acredita que é mesmo importante dar boas condições de trabalho aos professores,
assim como exigir destes excelentes capacidades humanas, teóricas e técnicas
para ensinar.
JPG: ...além de que há também coisas 'esquisitas' como
a ética profissional, o brio e a honra em fazer um trabalho bem feito de que
possam ter orgulho, coisas que se calhar, quem invocou, no fórum da TSF, um
direito sobre o poder divino do Imperador
não se lembrou
ou não se quis lembrar. Esse direito existe, sim senhor, mas porque os
professores o fazem por merecer, trabalhando afincada e dedicadamente, aliás,
como todos os trabalhadores japoneses. É giro que se falem em direitos dessa
grandeza, mas se esqueça como são e porque são conquistados e mantidos.
Carla Macedo: Concordo contigo. Deixa-me acrescentar à lista:
têm um processo de seleção muito exigente, muito difícil, ganham um salário
muito confortável e têm estatuto de estrela da pop.
JPG: Sim, tudo certo, mas mesmo antes disso, já o
Imperador lhes concedia o direito a não vergarem porque faziam um excelente
trabalho...
Carla Macedo: E por isso tinham
melhores condições de vida do que a maioria.
Quando é que os melhores de um curso, de uma universidade, de um país, vão
escolher dar aulas no ensino não universitário, quando a proposta do empregador
é andar com a casa às costas 10 ou 20 anos? Se temos de ir para onde há
trabalho (e eu concordo inteiramente com esta ideia) porque é que não podemos
ficar onde há trabalho? Se eu entrar para os quadros de uma empresa, depois do
devido período de experiência, fico na empresa até o posto de trabalho cessar.
Se eu for professora concorro a um lugar e, apesar de 3 anos depois ainda haver
necessidade de um professor da minha disciplina naquela escola, eu tenho que
concorrer novamente para o território nacional inteiro e provavelmente não fico
colocada na mesma escola. Onde é que está a lógica deste processo? Podia
continuar a falar das condições de trabalho más, muito más, de muitos professores,
mas depois ninguém lia este texto até ao fim.
Ninguém que queira enriquecer vai para professor, mas há mínimos que são
aceitáveis pelos muito bons. Não percebo porque é que aqueles que ensinam os
nossos filhos e lhes abrem os horizontes, lhes oferecem inúmeras possibilidades
de vida e tanta inspiração não são os melhor tratados pela nossa sociedade. Não
percebo. A consequência é que o sistema de ensino afasta à partida ou esgota
gradualmente os melhores professores em potência.
A luta dos professores, dos alunos e dos pais devia ser conjunta pela
reformulação do sistema de ensino, partindo de:
-
exigência muito alta nos critérios para aceder à
docência;
-
boas condições de trabalho e respeito (sim, uma
vénia dos decisores políticos ficava bem) para os professores.
Mas isto dava muito trabalho. Os pais e os
alunos a colocarem-se no lugar dos professores, os professores a darem lugar
aos melhores, etc, etc, dava muito trabalho. E, como diz o meu amigo de
facebook:
JPG: Pois, é uma questão de prioridades na construção
de um país. Uns preferem a educação, a saúde, o desenvolvimento, outros
preferem construção anárquica, crédito desenfreado, estádios de futebol,
auto-estradas à doida, aceitar subsídios para não produzir e etc. e tal...
2 comentários:
Pois é, tens toda a razão, mas falta aí uma coisa. Sou todo a favor de dar melhores condições aos profes. Mas quando não prestam é preciso que sejam rapidamente despachados, em vez de andarem anos sem fim a desensinar e desmotivar turmas inteiras.
Acho que isto que dizes está no meu texto. Em todo o caso, para que não restem dúvidas:"o Estado japonês acredita que é mesmo importante dar boas condições de trabalho aos professores, assim como exigir destes excelentes capacidades humanas, teóricas e técnicas para ensinar.
Exigir sempre, sem dúvida, a capacidade de ensinar, despedir, sem dúvida, quem não o sabe fazer. Mas começar pelo início, que é captar os melhores para dar aulas.
Enviar um comentário