O resultado de um parto como o meu, não podia ser bom. Não sei quantos pontos levei, porque a médica segundo me disse não os contou. Sei que estive mais de 20 minutos a ser cosida. Enquanto a médica tratava de mim, eu fui fazendo perguntas e pedi para ver a placenta. A médica olhava desconfiada para mim, não sei se espantada com a minha aparente consciência ou se incomodada por eu perguntar várias vezes o que é que ela estava a fazer. Eu juro que na altura era tudo curiosidade intelectual. Quando já não havia mais nada que eu quisesse saber olhei para o tecto e foi nessa altura que disse: "depois é melhor mandar alguém limpar o tecto." O tecto estava salpicado de sangue... do meu sangue.
Os dias seguintes mostraram bem que o parto correu mal. Eu inspirei inicialmente mais cuidados. Não me conseguia levantar, nem tanto por causa das dores mas por causa das tonturas. Cada vez que tentava fazê-lo, quase que desfalecia. Acordar para dar de mamar era um sacrifício. Sentia-me tão cansada que só queria estar deitada. Estava anémica por causa da perda de sangue e, apesar das doses de ferro intravenoso que tomei, o quadro manteve-se muito para lá do internamento. O meu útero era outro problema. Não estava a retomar a posição e as dimensões normais ao ritmo que devia. Por isso, apesar dos pontos todos e do corpo estar dorido, fui sujeita a uma ecografia endovaginal para ver o que é que se passava. No meio de uma festa de médicos e internos na sala de ecografias, em que todos vinham e íam alegremente para ver o estado do meu útero, foi-me proposto que me tirassem os coágulos à mão e a frio, logo ali. A alternativa era esperar que saíssem naturalmente, já que não era uma situação nada grave. Como é óbvio, eu preferi que a natureza tratasse das coisas. Mas o corpo humano é espantoso e, apesar do cansaço, ao terceiro dia de internamento eu tive alta. Fiquei feliz e contente. Só tinha que esperar pela confirmação da alta do meu filho para voltar a casa.
O médico que o tinha visto nos dois dias anteriores tinha-me dito que o meu filho só não tinha alta porque o parto tinha sido complicado mas que tudo estava bem com ele. Chegou a dizer que estava melhor que muitos bebés que tinham nascido em condições mais normais. Ao terceiro dia, só me restava aguardar pela vinda do médico para fazer a mala e ir finalmente para casa.
Nesse dia, veio outra pediatra avaliar os bebés. E fez-me uma pergunta em relação ao pai do meu filho, que já tinha ouvido antes: "O seu marido é muito moreno?" Eu disse que sim, que era tipo Figo. E então a senhora começa a debitar uma série de termos técnicos dos quais só percebi: desvio da supra-renal, malformação, lesão, hormonas, anemia "... e por isso vamos ter de fazer uma série de exames."
Foi um choque. De um momento para o outro o meu filho já não era saudável e era até possível que tivesse que ficar internado no Hospital Dona Estefânia. Seguiu-se uma série de exames, uma transfusão de sangue que demorou 4 horas e sucessivas colheitas de sangue. Ver um filho com uma veia cateterizada durante 24 horas, ouvi-lo chorar quando é picado, quando é despido, quando é apertado e perceber muito pouco do que se está a passar... não é pera doce... pelo menos. Tive logo ali um curso intensivo do que é ser mãe e sofrer pelos filhos.
No dia seguinte, o 4º do internamento em obstetrícia, o meu filho voltou a ser visto pelo pediatra inicial. E este achava que a sua colega tinha exagerado no diagnóstico. Este pediatra, pelo menos, falava português. Explicou-me que se suspeitava de uma alteração hormonal que podia ser crónica, que a anemia se devia provavelmente à violência do parto (eu teria ido buscar sangue ao cordão dele para compensar a minha hemorragia) e que podíamos ir para casa nesse dia. A consulta de endocrinologia já estava marcada, para saber os resultados finais das análises, mas que eu fosse descansada. E que a situação estava descrita no boletim de saúde do bebé. Infelizmente, a letra do médico era de médico e, até agora, ninguém (nem sequer a minha médica de família) conseguiu perceber o que lá está escrito...
Viemos para casa. E menos de uma semana depois, eu regressava ao hospital por causa de uma febre alta que não desaparecia. Nova ecografia, descoberta de coágulos, prescrição de antibiótico... Antes que o antibiótico acabasse, eu ía pela segunda vez às urgências. A febre reaparecia e com mais força, sinal de que a infecção uterina não tinha desaparecido. Desta vez, fui submetida a uma curetagem (vulgo, raspagem) para me tirarem os tecidos mortos. Como disse a médica Ana Bernardo - a única que me pareceu uma pessoa normal - "este não está a ser um pós-parto de sonho, pois não?"
A curetagem correu bem, eu regressei a casa na mesma noite e aos poucos fui voltando a ser quem era. Agora já tenho força, energia e entendimento - coisas que me faltaram durante mais de um mês. Por isso, escrevo agora. No texto seguinte hei-de opinar sobre os procedimentos e os profissionais de saúde. Agora não tenho tempo, o meu filho está a chamar.
2 comentários:
de todo não foi um pós parto de sonho.-e lamento que tenhas de ter tidod e pasasr por tudo isso- coisas que muito possivelmente seria escusado.... de todo-
Bem, que dose!!!
Deves ter pensado "Que mais me irá contecer!!"
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