(leitura não aconselhável a pessoas impressionáveis)
A primeira imagem eu tenho do meu filho é a de um bebé cinzento. Ele nasceu sem respirar e teve de ser reanimado para que pudesse viver. Lembro-me de estar na cama da sala de partos e pensar que ele estava morto. A pediatra interna chegou a dizer coisas como "eu não consigo", "estou a perdê-lo" e a pedir para que chamassem outro médico (suponho que o seu orientador). Depois de um momento que não sei definir, o bebé fez um breve som. Não um grito. Apenas um breve ahh. E nessa altura levaram-no para fazer exames e tratamentos. No processo, que incluiu máscara de oxigénio e massagem cardiotoráxica, uma voz dizia-me para me acalmar que era tudo normal. Não sei quem era a enfermeira ou médica que me dizia aquilo. Se eu estivesse em mim naquela altura, acho que lhe tinha batido. É normal que um bebé nasça quase morto? Não me parece e dá-me a sensação que isto aconteceu pela falta de cuidado dos vários envolvidos no parto, a começar pela enfermeira parteira que monotorizou a dilatação e o estado do bebé durante seis horas.
O grande dia começou às 9 da manhã. Às 41 semanas, entrei na maternidade pela urgência, como tinha sido combinado com a médica que me seguira até então. Não que já tivesse algum sinal de parto, não. A ideia era provocar o parto, depois da natureza e de sucessivos toques não o terem despoletado. Eu já estava farta e cansada da gravidez. No final aumentei 20 quilos, apesar dos cuidados alimentares que tive. Por isso, e contra tudo o que tinha lido, resolvi que era boa ideia provocar o parto. E estava tremendamente errada...
Então, fui para MHDE às 9h00 da manhã, onde dei entrada no serviço de ginecologia através das urgências. O atendimento começou logo bem, quando perguntei que indutor ía tomar. A sra. dra. achou que era mais interessante não me dizer o princípio activo do comprimido. Só depois uma enfermeira fez o favor de me explicar que o que eu ía tomar era prostaglandina.
Passei o dia inteiro no hospital. Caminhei nos corredores sempre acompanhada do soro e li um livro inteiro. Às 18h00 as contracções começaram, mas sem dor. Nessa altura comecei a perder líquido amniótico de forma muito leve. Fui para a sala de partos por volta das 20h00 e a dilatação estava a ser feita a bom ritmo. Por volta das 22h30 eu e o meu marido (que estava sempre comigo) falavamos que o bebé, provavelmente, ainda nascia nesse dia. A dilatação estava completa antes da 23h00.
Só que o bebé não descia. E então aumentaram as dores que já me tinham aparecido na zona mais baixa da barriga. Foi preciso receber 3 doses de epidural, para não me sentir mal. Mas enquanto não sentia dores também não sentia as pernas, nem sentia mais nada. Quase que adormecia. Mas como a dor não era das contracções pouco tempo depois voltou a doer. A verdade é que ela aparecia com a contracção, mas pela sua localização e sensação (parecia que ía rebentar) não podia ser uma contracção. Isto vejo eu depois porque durante o trabalho de parto não conseguia perceber nada. Só sentia a dor. E apesar de ter explicado a vários médicos e enfermeiros como era a dor, ninguém quis perceber que a dor era de outra coisa.
Até às 2h00 da manhã, não aconteceu nada. A enfermeira que está a vigiar a evolução do meu parto diz-me apenas para fazer força, para empurrar o bebé, para fazer mais força, para me por de pé, para me deitar... Eu estou estafada, cheia de dores, faço toda a força possível e não sinto evolução nenhuma. O bebé permanece sempre numa posição demasiado elevada para nascer. E de repente, a médica que me tinha atendido de manhã entra na sala de partos e explica-me que "vamos fazer o parto com ajuda". O meu marido teve que sair porque a intenção era usar ventosa. Nada no meu estado se tinha alterado. O bebé continuava lá em cima e, pelos sucessivos toques que a enfermeira parteira me fez, eu apenas percebia que havia qualquer coisa que não estava no sítio. Um obstáculo à saída do bebé, localizado no colo do útero.
A ventosa não funcionou e nessa altura, a médica toma um ar sério, diz "fórceps" e dois enfermeiros começam a empurrar a minha barriga. Bom, um deles, enganou-se e empurrou-me as costelas. Mas a noção de que me tinham partido uma só veio depois. Nesta altura, diziam-me para fazer mais força. Eu sentia umas dores horríveis e gritava muito. Mandavam-se estar calada, concentrar-me. É nesta altura que eu vejo a médica a fazer muita força, mas o corpo dela retoma sempre a posição inicial, porque o bebé não está a descer. O efeito é de mola.
E a mola era o cordão umbilical. Estava enrolado à volta do pescoço do meu filho e não o deixava descer. Foi preciso cortar-me e cortar o cordão umbilical lá dentro para que o bebé pudesse sair. O bebé saiu. Mas saiu cinzento e com imenso mecónio. O sofrimento dele era evidente, a ausência de respiração e de reacção foi horrível de ver. Mas o mais extraordinário de tudo, é que a minha primeira impressão é que o pessoal médico tinha feito tudo bem, porque o bebé estava vivo. Só depois, já em casa é que comecei a pensar no que podia ter sido feito e não foi.
Em primeiro lugar, há uma ecografia feita às 39 semanas, na maternidade, que não revela grande coisa. Nessa altura o cordão umbilical estava no ombro, segundo disse a médica (de quem desconfio como se pode ver num texto anterior). Mas às 32 o meu ecografista referiu a possibilidade do cordão umbilical fazer uma circular. Eu sei que o bebé se mexe muito (especialmente o meu, que às 40 semanas ainda andava aos pinotes) mas por isso mesmo, acho que se devia ter verificado onde estava o cordão na altura do parto. Por que razão não se faz uma ecografia nesta altura?
Depois, há uma enfermeira parteira que monitoriza a dilatação, que refere sentir um obstáculo à saída do útero, mas que prossegue na sua interpretação de que eu sou uma mariquinhas, em vez de tentar perceber que é desse obstáculo que eu me queixo a cada contracção e não da contracção em si.
De seguida há uma médica que resolve "ajudar" o nascimento porque lhe convém. Será que o turno estava a acabar? É que ela correu as salas todas (são 4) para fazer nascer os bebés que ainda não tinham tido a decência de sair... E o mais extraordinário é que a decisão de fazer ventosas não é dela. A enfermeira parteira deu-lhe a sua avaliação da situação e ela nem sequer fez algum exame para confirmar. E onde é que eu estava enquanto, rapidamente, se decidia o que fazer? Não estava. Ou melhor, estava mas não contava. Nem contava a opinião do meu marido, que podia pelo menos explicar que eu não sou de me queixar e se eu gritava é porque me doía mesmo muito.
Como disse antes, depois de ver o meu filho quase morto voltar à vida e umas horas depois já estar cheio de genica, acabei por achar que a carnificina que foi o nascimento tinha até corrido bem e que a equipa médica tinha feito todos os possíveis. Só depois, quando voltei às urgências da maternidade com uma de várias complicações decorrentes - uma infecção, é que percebi que tinham minimizado o meu sofrimento. A enfermeira parteira que viu o meu filho nascer estava de banco nesse dia e teve a distinta lata de me dizer que as hemorragias são normais no pós-parto. Isso eu também sei, mas eu não estava lá por causa do sangue. Eu tinha uma infecção uterina, com febre muito alta e por causa disso tive de sofrer, posteriormente, uma intervenção cirúrgica. Mas para aquela enfermeira é tudo normal... e ela até consegue diagnosticar uma hemorragia, só de olhar para a cara de uma pessoa.
11 comentários:
só me ocorre dizer uma coisa: f*d*s*... conheço duas histórias horríveis de partos naturais (em Munique): numa morreu a mãe, na outra morreu a filha . à conta disso (e não só) não hesitei quando o médico me disse que no meu caso era preferível fazer cesariana. E posso dizer que, depois de ter tido um parto natural, com epidural, fórceps e episiotomia (mas nada comparado com o teu), e uma cesariana, mil vezes a cesariana, por mim e pelo bebé.
Carla e Francisco... só tu é que poderias passar por isto, depois de uma batalha tão grande no sns esta era a prova final... e superaram-na, os dois.Um combate à altura dos guerreiros. O desnvolvimento, as alegrias, os sorrisos, as mãos, o corpo, o toque ... do Francisco apaziguarão as dores. Parabéns aos dois. E o livro amarelo?usaste?beijos da rita, afonso e joão
Oh valha-nos o Senhor!!! Mas porque é que não fizeram logo uma cesariana? É preciso massacrar assim uma pessoa? Só me faz lembrar a minha cunhada, no Amadora-Sintra, que também tiveram de reanimar o bebé, que ficou cheio de marcas dos forcepts na cara. Passou um mau bocado também... Imagina que em vez de uma episiotomia com um bisturi e etc, rasgaram-na à mão e depois, em vez de esperarem que a placenta saisse sozinha, arrancaram-lha. Duas horas depois do parto, estava no bloco para "arranjar" a hemorregia no útero. Por causa disso, o Francisco não pegava na mama, pois nesse espaço de tempo enfiaram-lhe um biberão de suplemento pela goela a baixo...
Mas vejamos as coisas pelo lado positivo (apesar de difícil, depois de um episódio desses): tens o teu bebé nos braços, vivo e de boa saúde! Também tu conseguiste ultrapassar todas as etapas e sobreviveste! Agora é olhar para o Futuro para veres o teu bebé desenvolver-se a cada dia. É uma jornada cheia de altos e baixos, mas acredita que é maravilhosa.
Um grande beijinho!
Sónia Curado
P.S.: O relato do meu parto está aqui http://pensamentosdatuamama.blogspot.com/2007/04/nem-parece-mas-o-que-facto-que-j-se.html. Só lá falta dizer que me cortaram 5 (sim cinco) vezes e mesmo assim ainda rasgou um bocadinho. Foram 2 meses de recuperação...
Beijos
só consigo dizer...que pais da porra.... naos ei que te dizer- nao tive um parto muito mau... ma sgaranto-te que o medo triplicou para este
É realmente triste viver num país onde coisas como estas se passam, e sem necessidade nenhuma...
O parto da minha filha também não foi agradável, foi provocado, demorou 26 horas e a Sara acabou por nascer de forceps. Eu levei 30 e qq coisa pontos e durante uma data de tempo disse que não queria passar por aquilo outra vez... Agora estou à espera do Lucas e no fundo, no fundo gosto da ideia da cesariana... Ainda é cedo, mas mas se me dissesem que tinha de ser assim não me importava nada...
Espero que o seu bébe esteja bem e que a partir de agora encontre só alegrias. É difícil, mas com o tempo acabamos por esquecer as recordações más, o importante é os pequenos terem saúde...
Tudo de bom!
Cíntia
Realmente não dá para falar nada. É impressionante o estado do sistema de saúde deste país e a maneira desumana como tratam os doentes. Sim, não só as grávidas mas os doentes em geral. É sempre uma caixinha de surpresas. Podemos ter sorte e apanhar uma equipa empenhada e profissional como ter azar e apanhar uma equipa que olha para nós como se não passassemos de números a despachar. E se às vezes corre bem... nem sempre é assim.
Bem, depois conta quais os desenvolvimentos e o que fizeste.
Beijo grande e espero sinceramente que estejam agora totalmente recuperados e a curtirem-se um ao outro.
As dores de parto já passaram...agora é a altura de agir! Vamos à guerra amiga. Por ti, por mim (que não passei por nada disso), pelas minhas filhas que um dia vão querer ter os seus filhos, e por todas as mães ignoradas e mal tratadas cuja única opção é o SNS. E é bom de frisar que há muitos bons profissionais, que trabalham mais horas do que devem, que se esforça por mudar as coisas, que se preocupam. Eu conheço alguns. E é também por esses, porque é preciso não tomar a parte pelo todo, que é preiso obrigar os "maus" profissionais a mudar...ou então a irem à vidinha deles!
Tantas cesarianas que se fazem a pedido e o que é que os levou desta vez a não fazer?? Tanto tempo de período expulsivo não pode ser normal!!!
Mas não generalizo o problema ao SNS porque eu fui sempre seguida pelo mesmo (o parto foi na MAC) e não me queixo.
Ainda bem que o filhote acabou por ficar bem. Uma boa recuperação para todos e, sobretudo, muitas felicidades para a nova família.
Bolas até me arrepiei a ler o teu post.
Realmente, porque é que não optaram por fazer cesariana, não é para isso que ela serve, para quando a vida da mãe e/ou do bebé está em risco?
Mas, acho que bons profissionais existem tanto no público com no privado, sei de partos em clínicas privadas que meu Deus...
Eu tive o meu filho no S. Francisco de Xavier, e não tenho razões de queixa.
Espero que agora estejam os dois bem e recuperados.
Beijos
Andreia
Infelizmente as hemorragias são comuns, eu tb tive 1 a seguir ao parto e cedo me apercebo que era mais comum do que o esperado. Tive sorte de não ter tido sequelas e de facto estando em público só me posso queixar de 1 parteira que não foi sensível à minha dor (mas há sempre umas assim). O Filipe durante o parto também tinha o cordão à volta do pescoço (aliás 2 voltas pelo o que percebi...mas achei sempre possível), nunca ninguém me tinha dito nada mas se não fosse a calma daquele parteiro acho que o Filipe não estaria cá hoje, isto para te dizer que tenho esperança no SNS apesar de reconhecer que há profissionais "desinteressados" (por assim dizer) e que o tempo que estive internada na maternidade cheguei a receber carinho das enfermeiras e muita compreensão pelo o que tinha passado. Pelo o que li do teu relato e não sendo nenhuma especialista sei que o que muitas vezes fazem (no SAMS por exemplo) e passar o parto de natural a cesariana, porque provavelmente no meio dessa confusão toda o teu bébé estava em sofrimento e precisava de uma saída mais rápida, mas isto já se sabe em público uma cesariana...só com cunha como eu vi com os meus próprios olhos no HSFX.
O importante agora é que o tens contigo e concordo contigo devemos sempre denunciar quando algo foi mal feito.
Através de algum blog que leio vim aqui parar... Comecei a ler por curiosidade, até que vim parar a este post! Não foi por acaso, despertou-me a atenção para partos malsucedidos! Infelizmente o meu parto também não correu muito bem, para além de achar que me fizeram esperar inutilmente, pois à partida haviam certezas que seria uma cesariana, não bastando o problema complicado com que a minha filha iria nascer, acresceu também o que se passou naquele bloco que nunca deveria ter acontecido. Ao iniciarem a cirurugia e ao cortar a placenta, fizeram uma laceração de 3cm no anûs da minha filha! Como? Até hoje há contradições, apresentámos reclamação, o processo foi arquivado por ter havido práctica normal, deverá ser normal fazerem aquilo a todos os bebés!!! Entramos com queixa crime, e será uma luta desigual e a qual tão depressa não terá desfecho. Resta-me a esperança de que nada de grávida acontecerá a minha filha, mas nunca recebi apoio, nem uma simples palavra, daqueles profissionais, pelo facto de apenas conhecer a minha filha um dia depois de ter nascido, por andar 6 meses em agonia sem saber se seria incontinente, por todo o sofrimento que me causaram a mim, mas sobretudo a um pequeno ser acabado de nascer. Peço desculpa pelo texto tão alongado. espero que agora passado tanto tempo tudo esteja bem consigo e com o seu filho
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