Tinha começado um comentário assim:
“Querida Marina,
quando puderes dá um workshop de economia familiar porque assim, de repente, não estou a ver de que é eu posso abdicar, dado que... sou o maior ganha pão lá de casa.”
Mas depois resolvi reformular o sentimento de indignação face a um comentário ao meu texto de 22 de Setembro, para então explicar a minha indignação contra a pseudo-política de natalidade que se exerce em Portugal. Até vem a calhar, já que o sr. Sócrates teve uma “extraordinária vitória”...
A lei recentemente aprovada permite que a mãe e/ou o pai que estejam empregados fiquem em casa até ao 12º mês de vida do bebé. A redução do rendimento mensal é gradual, iniciando-se no 6º mês pós-parto. Contas que fiz, quando foi publicada a lei, levam-me a pensar que para mim seria vantajoso ficar em casa até ao 9º mês.
Comparando com o que tínhamos antes, a lei é muito boa. Passando para a vida real a lei é uma boa porcaria. Porquê?
Porque não há uma rede social que apoie as famílias no período posterior. Não há uma rede de berçários funcional nem gratuita (como em Espanha), não há um subsídio que ajude efectivamente as famílias a pagarem os custos de colocar a criança numa instituição (no Luxemburgo existe e é no valor aproximado ao que cobram as escolas e tem um valor fiduciário universal), não há um período alargado em que um dos pais possa ficar em casa com os filhos (como na Alemanha ou em Inglaterra, onde a Segurança Social paga durante 3 anos, findos os quais a mulher tem direito a ocupar o posto de trabalho que tinha antes).
No mundo real, entre os 12 meses e os 3 anos, em que supostamente a criança começa a frequentar o ensino pré-escolar, onde é que as portuguesas deixam os filhos? Com os avós, certo? Errado! Há milhares de famílias que pelas mais diversas razões não podem recorrer a esse favor. Então deixamos as crianças em casa até elas terem idade (e vaga) para frequentar o pré-escolar enquanto nós vamos trabalhar? Não, pois não? E ficamos em casa durante dois anos sem direito a nada? Se nos despedirmos nem o subsídio de desemprego podemos receber!
Entre os 12 meses e os 3 anos as famílias que trabalham não têm alternativa se não pagar. E podem, é certo, recorrer a IPSS se tiverem vaga, para cuidar dos filhos por um preço que é condicionado pelos seu rendimentos brutos e não pela liquidez ao final do mês. A renda da casa, por exemplo, conta para essa ponderação até ao valor máximo do salário mínimo nacional, o que para um agregado de 3 pessoas (o médio em Portugal) começa agora, com mais uma descida das taxas de juro, a ser verdade. Quando as taxas começarem a subir, eu por exemplo, estarei encrencada.
O resultado das contas, devido aos escalões do IRS, significa que muitas vezes famílias com rendimentos mais altos têm menor liquidez do que famílias com rendimentos mais baixos (até porque os subsídios não são contabilizados como rendimentos). Isto (de ajudar os pobrezinhos) até era bonito se não significasse uma barreira atroz para quem quer subir na vida, ou para quem quer simplesmente ter uma vida tranquila. A classe média, que já paga mais impostos na fonte, volta a pagar mais pelo simples facto de se fartar de trabalhar, tentar ter uma vida melhor mas não conseguir sair da cepa torta porque tudo o que ganha será subtraído por escolas, atls e instituições várias que consideram apenas o rendimento bruto.
A constante camuflagem daquilo que significa hoje ter um filho, de que falava, deve-se a isto. Significa perder direitos, porque o trabalho é taxado, o consumo e tudo o mais é taxado, para depois voltarmos a pagar quando recorremos ao Estado. Ter um filho significa ficar mais pobre e desculpem lá mas amor e uma cabana não é o melhor cenário para criar uma criança.
Pelos vistos isto só é evidente para mim e para a H, porque nem um só partido político, nem sequer um dos novos, nem sequer o estúpido partido pró-vida, foi capaz de referir que o que falta, a saber:
- Berçários, creches, escolas e atls gratuitos universalmente.
- Redução do horário de trabalho.
É só isso que falta para termos mais bebés. Todos! Quem está em casa, quem está na rua, quem mora na cidade, quem mora no campo, que pega todos os dias às 6h00 e quem larga às 24h00, quem é mãe profissional e quem é profissional de outra coisa qualquer. Não fazem falta abonos, nem subsídios de nenhuma espécie. Faz falta um sistema público de ensino que permita termos uma vida boa e estarmos com os nossos miúdos, pelo simples facto de contribuirmos para a sociedade em que nos inserimos ao pagarmos impostos.
Nota de rodapé:
Na Finlândia 98% da população é da classe média.
Em Portugal 20% da população vive ou está em risco de pobreza.
4 comentários:
Cara Carla, não comentei o teu post nem a tua resposta ao meu comentário para indignar ninguém, e muito menos a ti, que escreves um blog de que gosto muito. Só mostrei qual era a minha posição em relação a ganhar um ordenado que iria parar à tesouraria de uma creche. Não pretendo dar workshops de economia a ninguém, aliás acho que tenho mais a aprender do que a ensinar. No caso da minha família é mais vantajoso eu ficar em casa com o meu filho do que ir trabalhar, por inúmeras razões, mas os pormenores dessa decisão só nos interessam a nós. Só isso! Já no caso de uma família monoparental é óbvio que o pai ou a mãe não pode ficar a tomar conta do filho, pois alguém tem de garantir o sustento dos dois. Dizes que os pais de crianças entre os 12 meses e os dois anos não têm outra opção senão pô-los na creche para ir trabalhar, mas não é bem assim. Há pais que até têm as duas avós disponíveis, podem lá deixar as crianças. Para tua informação é o caso da minha família e mesmo assim estou em casa com o meu filho, porque considero que seja o melhor para ele. No nosso caso é o melhor para ele ficar comigo, é o melhor para ele eu abdicar uns anos da minha carreira, é o melhor para ele abdicarmos de algumas coisas que se tivessemos mais dinheiro poderíamos ter. Repito: no nosso caso. As pessoas não são todas iguais nem têm todas de dar valor às mesmas coisas. Aceito que há pessoas que tomam outras opções por ser o melhor para elas e as suas famílias e não critico nem julgo ninguém. Nem fico indignada se uma mãe prefere dar o seu ordenado a uma creche do que ficar em casa com os filhos. As pessoas são livres de fazer as suas escolhas e os outros, se não forem prejudicados, só têm de as aceitar.
Bom, só espero que este comentário não te indigne nem ofenda ninguém, é de longe o que menos quero. Mas se quiseres que deixe de visitar o teu blog e de comentar é só dizeres, pois não quero vir a um sítio onde não sou benvinda.
Felicidades para todas, apesar de termos obviamente opções de vida distintas há um objectivo comum, que é a felicidade dos nossos filhos.
Querida Marina,
trato-te assim porque gosto muito do teu blogue e acho graça a muitas coisas que contas do Manuel. Queria pedir-te desculpa, se te ofendi com a minha indignação e com a minha ironia. O meu blogue é para ser lido, comentando, discordado. Acho que até o Pacheco Pereira é bem-vindo aqui, se fizer o favor de cá vir. Pelo que vem cá e discorda das minhas opiniões as vezes que quiseres. Mas isto não é propriamente uma questão de opção, pelas razões expostas no texto que escrevi hoje, enquanto almoçava em frente ao computador. São 22.42, eu ainda estou a fazer o jantar de amanhã e já estou a pensar no texto que ainda tenho de escrever para entregar ainda hoje. E amanhã levanto-me às 6.30 para transportar o X nos transportes públicos e a pé até à creche, para entrar a tempo no emprego, onde como em frente a secretária ou no jardim da cidade se fizer sol e com sorte consigo sair às 18h00 para apanhar o metro e subir uma ladeira a correr e chegar antes que feche a escola, só ligeiramente antes que feche, ser a última mãe a buscar o filho, pô-lo no pano e andar a pé e depois de transporte público, chegar a casa, dar banho e jantar e pô-lo a dormir e trabalhar mais um bocado e fazer todos os dias o mesmo e o final do mês não ter muito mais dinheiro e não ter direito nenhum de opção. E esta é a vida da maioria, com a diferença que a minha, ainda assim é melhor do que a da maioria. E é muito dura.
Cara Marina,
Acho que confundes o que é o verdadeiro sentido da palavra "opção". Optamos quando podemos, ou seja, quando escolhemos entre uma e outra coisa. Infelizmente, na maioria dos casos não existem "opções". A maior parte das famílias portugueses precisa efectivamente de 2 ordenados, e muitas vezes esses 2 ordenados não são o suficiente para manter uma vida digna.
Na verdade, nem eu nem a C. temos "opções", e nenhuma de nós encara os avós como "opção" porque esta solução não é adequada à educação que pretendemos para os nossos filhos. Ambas "optámos" por utilizar transportes públicos, por viver em casas de menor qualidade, por não ter carro, roupas de marca, perfues de luxo e férias no estrangeiro, e ambas almoçamos no trabalho ou no jardim. Ambas somos vistas como pessoas de classe média-alta porque insistimos em manter o standard de qualidade dos respectivos rebentos. Ou seja, ambas optámos por trabalhjar mais investindo esse dinheiro na educação das crianças. E isto não é opcional como bem saberás.
Na verdade, respeito a tua "decisão" e não a tua "opção" porque essa só pode existir se houver um parceiro que assegure financeiramente as tuas necessidades básicas e as do teu rebento.
Ninguem te criticou, penso apenas que te faltou alguma visão abrangente da realidade social deste país. Eu ganhei-a no primeiro ano de escola pública da minha filha mais velha. Acredito que tu chegarás lá, só espero que de uma forma menos dramática.
Opção, decisão, chamem-lhe o que quiserem. Mas a verdade é só uma, não há creche pública ou privada, cara ou barata, que cuide tão bem do meu filho quanto eu. E para nós é isso que tem valor, é ele estar ao pé de nós e nós não perdermos pitada do seu crescimento. E se eu fosse trabalhar é óbvio que ía para as avós, não por serem gratuitas, mas por serem o melhor para ele, a seguir a mim e ao pai. E não me falem em convívio com outras crianças nem em comportamentos sociais nem em aprendizagens. Nem eu nem o meu marido andámos na creche/pré e quando fomos para a primária sabiamos ler, escrever e fazer contas. Ensinados por quem? Pelos nossos pais e pelos avós! Já para não falar que não temos problemas de socialização. E somos ambos licenciados, bem mas isso também não é essencial para se ser bem sucedido e, se o meu filho quiser ser pedreiro, será! O que importa é continuarmos todos felizes, como até agora.
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