quarta-feira, 21 de julho de 2010

Propostas para Passos Coelho

Querido Pedro,

Eu não sou socialista mas ainda assim resolvi aceitar o teu convite e apresentar-te a minha proposta. Assim:

1. Vem viver lá para casa uma semana. A sério. Podes ficar na cama que está no quarto do meu filho e que é na verdade, o melhor quarto da casa. Tem uma racha numa parede, mas é a divisão com o chão mais direito. Quando acordares às sete da manhã podes preparar o pequeno-almoço ou se quiseres eu preparo o teu, mas tu comprometes-te a ajudar-me a levar o miúdo à escola. Compra o passe semanal no dia antes, está bem? Aos dias de semana não há tempo a perder. Vamos de autocarro e depois a pé. Sabes, o caminho é bem bonito e só demora meia hora! Depois vens comigo para o escritório e ajudas-me nas tarefas que aqui tenho. Produção textos e coordenação de uma equipa. Sabes, dizem que eu sou boa naquilo que faço. Eu faço tudo muito depressa. Almoço muito depressa num chiringuito manhoso mas consigo gastar menos 4 euros com sopa, sandes, sumo natural e café. Sim, eu sei, era melhor vir de tupperware mas aqui não há cozinha, nem frigorífico. Depois volto para o escritório e faço tudo outra vez muito depressa, para sair a tempo de ir buscar o miúdo. Se tu viveres lá em casa, posso sempre ligar-te, (não é?), e vais tu buscá-lo.

Sabes, o pai do meu filho tem um emprego novo porque a empresa onde estava antes faliu. Os sócios já constituíram uma nova empresa, no mesmo ramo, mas as indemnizações ainda não chegaram por completo, apenas chegou a ajuda inicial da Segurança Social. E como o emprego é novo, o meu companheiro tem que mostrar o que vale, para lá do horário laboral, muitas vezes. Mas não faz mal, depois de termos vivido seis meses sem os salários atrasados dele, esta situação é muito mais confortável. Já não temos de recorrer às poupanças para as comprar do quotidiano.

Bom, devo já pedir-te desculpa porque vais encontrar as ruas do meu bairro muito sujas. Sabes, moro ali há cinco anos e nunca vi ninguém a lavar as ruas. A minha casa também não está um brinco é certo, desculpa, mas não conseguimos ter uma empregada a dias para nos ajudar nas limpezas. Assim, ao sábado costumamos limpar, mas há dias que falha, sobretudo agora porque gostamos tanto da praia ao fim-de-semana. Se calhar podes ajudar-nos enquanto vivas lá em casa. Imagina, eu chego a casa e faço o jantar, o pai do meu filho dá-lhe banho e tu limpas a casa. Achas que também podes passar a ferro? Que grande plano! Se, entretanto, eu perder o emprego – porque de repente essa possibilidade tornou-se mais iminente, sabes, estou a um mês de terminar um contrato não renovável e ainda não tenho nenhuma informação oficial sobre o que vai acontecer – prometo que passo eu a limpar a casa. Entretanto, não temos alternativa, porque queremos ir juntando algum dinheiro para usar em caso de aflição.

Que giro. Sabes o meu salário é muito acima da média nacional e a verdade é que eu devia ter vergonha de falar-te destas coisas. Como é possível eu ter uma vida tão dura quando sou quadro superior numa empresa? Ora, deixa-me tentar explicar... Desconto o valor de um salário mínimo quando sou paga pelo meu muito bom trabalho. Depois, pago 296 euros por uma creche que é óptima, a sério, vais ver, mas que também tem um acordo com a Segurança Social e eu como tenho um salário elevado contribuo para o bem comum. Mesmo assim, há quem pague muito mais. Há quem pague 400 euros, apesar de contribuir para o bem comum também quando faz mais que eu retenção na fonte... E a verdade é que não me posso queixar, que eu vi escolas medonhas, também comparticipadas pela SS, onde as crianças não eram felizes. Aliás, sabes que na minha junta de freguesia, que carece urgentemente de uma creche e um jardim infantil, o teu partido e o PS chumbaram uma proposta para a construção dessas valências?

Sabes Pedro, como sou assim para o comunista, resolvi que não ía ter pediatra privado. Assim, o meu filho foi apresentado à nossa médica de família que passou a medi-lo e a vaciná-lo. E na consulta dos 2 anos desisti, porque me deixou insegura, e marquei um pediatra privado que fez uma avaliação muito melhor do estado de desenvolvimento do meu filho. Sabes quanto paguei pela consulta? 80 euros. Sabes quanto é que pago cada vez que quero ir ao dentista? 80 euros. Sabes quanto é que pago no oftalmologista? 70. Sabes quanto é que paguei para ter um diagnóstico mais rápido de um possível cancro do pulmão da minha avó? 700 euros. A boa notícia é que não era cancro! A má é que no público não lhe dão prioridade para o tratamento do problema gástrico e que lhe afecta a respiração porque ela tem 90 anos.

Se viveres lá em casa podes tomar conta da minha avó e eu fico mais descansada, sem medo que ela tenha um acidente, caia, ou pegue fogo à casa. Eu não tenho como ter alguém com ela e isto assusta-me, ela está bem, mas é por enquanto e eu nunca a vou pôr num lar. Bom, se parar de trabalhar tenho o problema resolvido. Que boa ideia!

Sabes que já me angustia a escola primária que devo escolher para o meu filho? Daqui a 4 anos vou ter que escolher entre o alívio financeiro da escola pública ou o descanso de ter a criança numa escola em que as portas das casas de banho existem! Ah! Tenho ainda um plano alternativo, dar uma morada falsa para colocar o meu filho numa escola pública que não me pareça tão mal.

Sei que esta carta já vai longa, mas queria muito que viesses viver comigo como nós vivemos, exactamente como nós vivemos, que partilhasses o nosso dia-a-dia, os nossos medos em relação ao futuro, ao futuro breve, para que percebesses o absurdo das tuas propostas. A escola não pode deixar de ser pública. Tem de ser pública, local, exigente e igualitária. A saúde não pode deixar de ser pública. Tem de ser pública, igualitária, boa, competente. Sabes porquê? Porque somos nós que as pagamos. Logo, somos nós que temos de decidir sobre isto.

2. Se por magia conseguires aprovar as tuas estapafúrdias propostas de alteração à constituição, espero que aproves também o fim da colecta na fonte. Se eu passar a pagar todos os serviços de saúde, educação, transportes, justiça posso perfeitamente dispensar os teus serviços de político.

Então Pedro, o que dizes?

4 comentários:

mena disse...

coitadinho do pedro. se aceitasse o teu simpático convite, ao fim do primeiro dia estaria estourado, com os seus poucos neurónios num estado deplorável, e depois como é que ele ia defender o seu magnífico projecto de revisão constitucional?? deixa lá o homem, pobrezinho. pode ser que com estas propostas se estampe tanto que o país abra os olhos e o sócrates ainda se vá safando. não é a melhor solução, mas do mal o menos...

(bom texto :))

3Picuinhas disse...

...devias ter posto uma foto do passos de aventalinha e pano-do-pó em punho :D:D:D

Anónimo disse...

Texto excelente...
Oxalá chegue às mãos do dito cujo. Quando parecia que poderia haver uma alternativa menos má, revelou-se mais um prepotente!
Estamos entregues à bicharada.

Carla R. disse...

Adorei.
E então, ele ja respondeu?